quarta-feira, dezembro 21, 2005

Contos de um Barfly (extended edition)*

Charlie tinha uma vida fracassada, mas dificilmente tinha do que reclamar. Principalmente porque gozava de certa independência, pois morava sem os pais e com dois colegas malucos: Teddy, um antigo amigo de seu irmão; e Sam, um conhecido de faculdade. Teddy tinha um meio de vida insólito: aplicava golpes via Internet e era um hacker de mão cheia. Já Sam, após abandonar a faculdade de jornalismo, resolveu virar músico de botequim e intensificou seu uso de drogas ilícitas. Já Charlie trabalhava como jornalista/cartunista mal-remunerado.

Para se livrar da tensão que era viver com esses lesados, Charlie tinha um ritual indestrutível: após o expediente, passava num bar e ficava um bom tempo por lá bebendo. Certa vez encontrou um perto de sua casa que nunca tinha estado antes. Não hesitou em entrar e se sentar perto do balcão. De fato, logo admirou-se com o ambiente aprazível. Tinha uma tevêzinha no canto, umas mesinhas atrás do balcão e uma mesa de sinuca no fundo. Na hora de beber decidiu começar de leve, pedindo um chope ao barman.

Alguns instantes depois, uma mulher se aproxima do rapaz. Ela tinha traços muito bonitos e delineados e pediu uma cerveja. Ambos ficaram um tempo na leve troca de olhares. A moça chamou muita atenção de Charlie, mas quem deu a iniciativa foi ela, com um papo manjado:
- Você tem fogo?

Ele respondeu de forma ainda mais manjada:
- Depende de que tipo de fogo você deseja.
- Talvez para acender meu cigarro.
- Desculpe, mas eu não fumo.
- Tudo bem. Você terá outras chances para corresponder às minhas expectativas.
- Agradeço pela compreensão.

E ela percorreu o bar em busca de alguma labareda. Não tardou em voltar, trajando graciosamente o cigarro aceso numa mão e a cerveja na outra.
- O que te traz a este bar em plena quarta feira - perguntou Charlie.
- Nada de mais. Eu estava de saco cheio de alguma coisa - respondeu.
- Sei, como é isso. Como você se chama mesmo?
- Me chamo Lynni. E você?
- Pode me chamar de Charlie.
- E o que lhe traz aqui?
- Não sei. É a primeira vez que venho.

E continuaram conversando. Nisso, ele descobriu que ela era formada em psicologia e chegou a trabalhar para várias empresas, mas planejava ter um consultório próprio. Além disso, tinha um fotolog e adorava o Orkut. Disse adorar ler Nietzsche e Dostoievski. Amava filmes cult e rock alternativo. “Com certeza”, pensou Charlie, “ela não era uma mulher de se jogar fora”. De fato,mas se ele a levasse em seu apartamento, como ela se sentiria à vontade com um ladrão cibernético e um violonista entorpecido ao seu lado? Antes que chegasse em alguma resolução, novamente Lynni dá o bote:
- Acho que já estou indo. Você não quer me levar até em casa?
- Não sei como recusar essa oferta.

Eles pagaram a conta e se dirigiram ao carro dela. Antes de entrarem, começaram a se beijar. Ela estava totalmente bêbada e, tendo em vista isso, ele se ofereceu para dirigir.
Ela morava perto dali. Depois de três quarteirões, entraram em uma quebrada e avistaram um prédio antigo. “É esse aí”, disse Lynni. Ele pôs o carro no estacionamento e entraram no prédio.

Cumprimentaram o porteiro e logo voltaram a se pegar. Quando o elevador chegou, quase chegaram nos “finalmentes”, tudo isso sob a vigilância rígida da câmera oculta. Ao chegarem no andar dela, Lynni pediu para ele não fazer muito barulho.
- Por quê? – perguntou ele.
- Porque você pode acordar meus pais, além do meu irmão e meu papagaio.
- O quê?! Você mora com seus pais? – sussurrou Charlie.
- Sim, por quê? Não lembro de ter dito que não morava.

Enquanto ele começava a se arrepender de estar ali, ela tentava encontrar a chave certa e abrir a porta. Após alguns minutos, finalmente adentram no recinto. Lynni decidiu entrar pelos fundos, como sempre fazia quando chegava depois da meia-noite. Quando entram na cozinha, Charlie decide acender a luz e, então, uma voz esganiçada começa a berrar:
- Mas que porra é essa?!
- Jesus! O que é isso? – espantou-se o rapaz, com o coração na boca.
- Droga! Pensei que ele estava na sala. Quieto, Louro! – disse Lynni, dirigindo-se para o papagaio. – Espera um pouco que eu vou colocá-lo para dormir.

Charlie já começava a se arrepender de estar ali. “Puta que pariu, mais uma dessas e eu morro”, pensou. “Quem em sã consciência compraria um papagaio para ensiná-lo a falar palavrão?”, repensou. Aliás, ele teve muito tempo para fazer isto, pois o Louro relutava em dormir, apesar dos apelos vazios e incessantes de Lynni. E logo deduziu que se tivesse um desses pássaros tagarelas, também ensinaria algumas besteiras. “Deve ser natural do ser humano passar todo seu conhecimento inútil para as novas gerações”, refletiu o garoto. Mas sua viagem mental acabou quando ela acalmou seu mascote e eles puderam se dirigir ao seu quarto.

Na verdade, ele estava sem clima algum para nada. O que ele queria mesmo era descansar um pouco. Só que isso seria muito arriscado, pois se pegasse no sono, os pais dela o flagrariam ali. Não que isso fosse de todo o mal, mas Charlie era um romântico à moda antiga. Além disso, ele também não poderia dar no pé, pois não queria frustrar a garota, já que realmente tinha se afeiçoado a ela.
- Por que está tão quieto? – ela perguntou.
- Por nada não.

Decidiu mesmo assim descansar um pouco. Enquanto ela fazia um monólogo, Charlie mantinha seus olhos fechados e respondia sem pensar. Até que finalmente caiu no sono. Teve um sonho extremamente agradável e sereno. Porém, tudo isso caiu por terra quando acordou e voltou à realidade fria e desleal. Já eram quase oito da manhã e seu trabalho começava às nove.

Num momento de desespero, pegou um pedaço de papel e uma caneta e escreveu um recado para a garota adormecida. Recolheu suas roupas e tentou sair de fininho. Deu uma olhada no local e constatou que não havia ninguém por perto. Foi andando sorrateiramente em direção à saída da cozinha. Tudo estava correndo bem até que o papagaio voltou a fazer escândalo. “Mas que porra é essa?!”, gritava o bicho emplumado. “Que puta merda. Cala a boca”, retrucou o rapaz.

Charlie não fez cerimônia e saiu correndo pra casa. Tomou um ônibus e foi para o trabalho. Felizmente ninguém estranhou seu estado deplorável. Alguns dias depois, Lynni ligou para sair. Foram novamente àquele bar. Lá, ela disse que queria deixar a casa dos pais para morar com ele. “Só se você trouxer seu papagaio”, disse Charlie.

*Conto participante de um concurso de cunho acadêmico, no qual não ficou entre as dez primeiras colocações.

terça-feira, dezembro 13, 2005

Piros, o Espírito Pagão do Fogo - pt.2

"Cazadores vienen y van, buscando presas por la ciudad; motores rugientes en tempestad llegan a Larco a manifestar, pues es viernes sangriento, pues sus casas dejaro, buscan unas muchachas, están embalados en tragos." Fragil - Avenida Larco


A viagem continou sem problemas aparentes até que finalmente alcançamos o nirvana. Numa intrépida mudança de percurso, chegamos a uma escabrosa estradinha de terra. "Agora começa a parte mística da viagem", alertou nosso guia viajado no assunto. De fato, as portas da percepção estavam sendo abertas. Com The End, do The Doors, servindo de trilha sonora, acabamos por percorrer facilmente esse perverso trajeto cheio de obstáculos e armadilhas. Além disso, a fina chuva que desabava acabou cessando instantaneamente. Para criar um clima ainda mais sereno, nosso guia resolveu contar histórias de desastres e acidentes mortais que ocorreram neste nosso algoz barrento. Até que, após alguns minutos, finalmente conseguimos transpor a estradinha e chegar ao camping.

Antes mesmo de pegarmos viagem, nos foi avisado que o lugar era diferente de tudo que se poderia imaginar. Era uma terra sem lei, mas que possuia uma serenidade comunitária incomum, até utópica. Cheguei a ouvir também que a ordem capitalista não vigorava nessa terra. E em pouco tempo pude constatar sua veracidade.

Após fazermos um rápido tour pelo vilarejo, finalmente chegamos ao nosso recinto de estadia. Antes de tudo, demos uma geral para o chalé ficar um brinco. Também abastecemos a geladeira e definimos os quartos. Após isso, fomos promover a política da boa vizinhança, assim como o Franklin Roosevelt em sua empreitada contra os comunistas comedores de criancinhas.

Foi interessante notar que havia um certo desprendimento material por parte dos habitantes desta terra. Entramos na casa alheia e fomos muito bem recebidos. Para retribuir, convidamo-os a visitar-nos, o que foi aceito prontamente, com a promessa de provermos um carteado de baralho e suco de cevada fermentado.

De volta ao lar temporário, os anfitriões trataram de compor uma cigarrilha de maracujá, que foi devidamente socializada por todos. Alguns recusaram o pedido, enquanto outros aceitaram e abusaram da dose, tendo delírios psico-imaginários. Enquanto isso, sorvíamos alguns goles do mais legítimo scotch whisky (dizem ser envelhecido por três semanas, no máximo) e ouvíamos canções de procedência duvidosa. O carteado não era tão vistoso mas ajudava a entreter a corja de desalinhados.

Aos transeuntes, nossa residência parecia tomada por um bando de bárbaros visigodos. O consumo de folhas de cânhamo era veloz e intenso. O som ao fundo variava entre rock-peruano psicodélico dos anos 70 e rock-mpb intelectual. A jogatina tinha um clima amistoso, mas ainda assim era competitivo, enquanto seus moradores trajavam chinelos de dedo e roupas lascivas. Enfim, o cenário ideal para uma milícia revolucionária anti-direita.

A noite adentrou e nossa fome se intensificou. A sorte nossa é que havíamos feito a rapa no supermercado e tínhamos um formidável estoque de guloseimas para os próximos dias. E, logo de cara, decidimos por crestar algumas carnes e preparar uma churrascada. Todo o material estava em mãos: carvão, álcool, churrasqueira, churrasqueiro e carne. Porém, fomos traídos pelo destino. Para salvar alguma renda, optamos por comprar o carvão mais vagabundo. Além disso, a quantidade de álcool era pequena - referindo-se ao álcool zulu. Conclusão, o fogo não pegou.

Mas ainda restava uma esperança. Como o comércio local já havia fechado, saímos à cata de um novo combustível inflamável. Na casa de nosso amigo parecia que tinha. E lá fomos. Porém, não era uma missão fácil. O ambiente era inóspito e tenebroso, tal qual no jogo Pitfall. Passamos pelos desafios iniciais e quase chegamos ao bendito do álcool, até que meu companheiro foi eletrocultado e, por motivos de segurança, acabamos desistindo da busca.

Sem alternativas aparentes, tivemos que nos virar com pão Pullman com queijo e presunto. Já terminara de traçar meu segundo sanduíche, quando, de repente, nosso colega trocou seu olhar absorto pelo olhar de espanto. Ele apontou para a churrasqueira e nos mandou olhá-la. Assim, pudemos constatar: a fria brasa que fomentava a churrasqueira tornara-se um fogo incandescente e volupioso. Estávamos bem diante de um fenômeno místico-espiritual. Inexplicável é a palavra correta.

De fato, estávamos tão pasmos quanto Ralph Steadman em seu primeiro Kentucky Derby. Não havia explicação terrena para esta questão. Desta forma, eu, com minha enorme sabedoria em questões transcendentais, decidi por reivindicar essa façanha a Piros, o espírito pagão do fogo. Toda sua malemolência, seu gingado característico, estava presente neste ato único. Desde então passamos a glorificar seu poder divino com rituais, que envolviam ingerir substâncias até atingir o nirvana e entoar cânticos litúrgicos, e com a construção de tótens para adoração.

Dessa forma, com o estômago cheio e o espírito idem, fomos divulgar a boa nova. Em tôm messiânico, tratei de escrever algumas mal-traçadas linhas. Outros trataram de alimentar a mente com novas substâncias de redenção. E assim fomos, degustando umas tenras carnes e bebericando uma generosa caipirinha. Após isto, contamos nossas experiências aos nativos - que à primeira vista, pareciam céticos aos nossos relatos. Depois, fomos nos entreter com um insano Texas Hold'em ao estilo Vegas e, assim, voltamos à terra dos libertinos.

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Nós sabemos o que fizemos verão passado pt.1

Se nossa memória fosse curta a ponto de nos vermos obrigados a escolher os momentos que não gostaríamos de esquecer, qualificaria em meu repertório de lembranças uma viagem que fiz com a patota para o âmago de São Paulo, onde a baiquara puxa com força os “R’s” de interior.
Waters of Saint Peter, praticamente a Birigui do interior de São Paulo (depois, é claro, da própria Birigui, mundialmente conhecida como a Capital Nacional do Calçado Infantil), tornou-se a sede de nossa aventura Brasil adentro em pleno janeiro de 2005.

Paro aqui para criar o clima clichê de vários filmes que contam estórias de amiguinhos que vão viajar...:
Nosso QG - Uma casa/sítio húmilmente oferecida por minha tia.
O plano – Passar 5 dias fora de São Paulo com amigos(as), álcool, churrasco e música.
Hora na estrada – 3 p’ra í, 3 p’ra volta.
A verba – Em média 125 reales por cabeça, sendo que 50 deles destinados ao...
Transporte – Ônibus (Viação São Paulo São Pedro LTDA)
Vidas em risco – Agora vou quebrar o lugar-comum, pois neste caso em particular houve muita peculiaridade.

No começamento, quando a viagem nem fazia as malas para sair do papel, cogitei vários nomes. Não preciso dizer que 2+2=4, então, logicamente, convidei Master. Seguindo o raciocínio de que os bons amigos devem se fazer presentes nos bons momentos (e nos ruins também, caso contrário não seriam amigos tão bons), convidei Fuseri (que irá debutar nos Epítetos Espiclondríficos... e, por favor, não o confundam comigo, Fuser), que aceitou de prontidão a invitação. O terceiro reforço no time que entraria em campo era ninguém menos que Baianão (outro que ainda vai perder o cabaço por aqui), mas por força do destino ele se lesionou e passou as férias fazendo tratamento em Atibaia, onde se recuperou da contusão, mas é obrigado a voltar todos os fins de semana para precatar-se.
Para fechar a lista da lingüiça um nome entre os reforços não podia faltar (diga-se de passagem, um nome de peso). O que seria da vida sem ele? Fonte de inspiração para milhões (ou dois, sendo que les deux postam aqui), GORDO, como é conhecido dentro e fora deste espaço virtual, é uma pessoa austera na amizade mas brando no humor. Combinação melhor não há (tirando, claro, o mein liebling: whisky on the rocks). Mesmo sendo motivo de chacota nos momentos de descontração, seu ânimo em manter-se de bom humor é tão ou mais difícil de derrubar quanto ele próprio. Infelizmente Gordo não sabia se iria ou não, e ficou de retornar a ligação.
Com o time dos homens formados e até afim de fazer um barato estilo “Programas de TV do Celso Portiolli”, chamamos algumas garotas para o passeio... Senza l'impegno, diriam meus ancestrais. Queríamos apenas algumas amizades com seios em Saint Peter. Conseguimos o que “queríamos”... As meninas recusaram a proposta, mas em compensação o Gordo retornou a ligação aceitando o convite, e ele tem seio pra mais de metro... (Peço desculpas pelos termos pejorativos às meninas que convidei, pois elas podem até pensar que as convidei por motivos diferentes do real, mas em ordem de trazer mais jocosidade ao texto não pude resistir... Caso as desculpas não sejam aceitas creio ter criado dois inimigos mortais: As meninas e o Gordo).
De malas prontas partimos no domingo do dia 08/01/05. Apesar de embarcar apenas com a metade do plantel esperado, Fuser, Master, Fuseri e Gordo iam ao encontro de uma viagem que ficaria guardada nos anais da história, e eles mal sabiam disso...(continua)

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Piros, o Espírito Pagão do Fogo - pt.1

"Art. 74.: A educação para o trânsito é direito de todos e constitui dever prioritário para os componentes do Sistema Nacional de Trânsito."

Enquanto sonhava estar em uma ilha paradisíaca cheio de odaliscas me entretendo com seus rebolares hipnóticos e mordiscando um belo cacho de uva cedido pelas beldades, estava também aprendendo a como me portar no trânsito caótico de uma cidade grande. Tudo balela, lógico, pois nunca que alguém em sã consciência decoraria todas aquelas trezentas regras de conduta e moral. Principalmente quando se trata de estar desde às sete e meia da manhã de prontidão.

Mas, de fato, minha viagem astral era motivada pelo clima maçante da sala 4 do Centro de Formação de Condutores. Meus pensamentos desconexos pareciam bem mais relevantes do que uma aula de meio ambiente. Portanto, nada como um descanso mental merecido, mesmo sob o olhar repreensivo do finório entitulado professor.

Porém, a viagem durou pouco. Enquanto tramava uma possível caçada aos tubarões numa ilha caribenha, meu celular começou a vibrar com certo escândalo, tirando me daquela realidade alternativa. A princípio, praguejei insanamente, mas logo pensei: "hum, é uma boa chance de matar um tempo lá fora".

Sem delongas, retirei-me e atendi. A pessoa do outro lado da linha me convidava para uma viagem transcendental e passou-me as coordenadas. Eu disse que era uma proposta atraente, e deveras quente, mas só que ainda precisava consultar meus progenitores. Fiquei, então, de ligar de volta assim que pudesse voltar à minha vida normal, porém infelizmente havia uma bela meia hora a ser gasta. Em termos claros, mais meia hora de sono profundo.

E eis que finalmente soa o gongo dos sortilégios. Dou uma dedada no computador e parto rumo ao meu estimado lar. Como dizia o provérbio chinês, muitas decisões movem um homem. De fato, acabei me decidindo por, primeiramente, ir bater um rango. Com a larica que me abatia com vivaz ferocidade, senti estar degustando um manjar dos deuses, quando na verdade nada mais era que um arroz, feijão e bife. Após isso, com o estômago forrado, tento ligar para meus pais. Minha decepção só não foi maior que minha insistência, que logo deu lugar a minha impaciência. Mesmo sem poder dar meu recado, decido por partir com aquela trupe. Afinal, tosse não é desculpa pra peido.

De repente, sem menos, meus colegas de viagem aparecem. Após se abastecerem de álcool, carne e outros quitutes, vieram buscar-me em meu próprio lar. Depois de terminar de fazer minha mala, entramos no carro e, sem remorso algum, partimos para a terra do pecado.

O caminho para a rodovia era realmente extenso. Era praticamente uma pré-viagem. Mas foi bom para notar (mais uma vez) o quão bizarro é esta cidade esdrúxula que vivo. Os contrastes, as contradições e as bizarrices dos transeuntes foram expostas de forma nua e crua durante o percurso. Foi quase como um Diário de Motocicletas em quatro rodas. De fato, não há entropia que meça o caos desta cidade insana. Mas, além disso, também foi bom para notar que o rio Tietê continua cheiroso pacas.

A estrada estava bastante tranquila, sem medos ou delírios aparentes. É de se assumir que para uma primeira vez em rodovia, o motorista até que se saiu bem. E mesmo para o resto dos passageiros - que estavam com o cú na mão (eu, pelo menos, sim) - foi uma viagem sossegada. E digo mais, desconfiavelmente sossegada. Pela lógica, isso teria que dar em merda.

Felizmente, não aconteceu merda alguma. Porém, como o acompanhante do motorista (por favor, sem malícia) do banco da frente aparentava estar fora de si - destaque para suas performances que orgulhariam Freddy Mercury -, passamos boa parte da viagem sem reparar no exterior do carro. Num lapso, o motorista acabou notando que o capô estava semi-aberto, pondo em risco a vida de todos, inclusive dos outros viajantes que compartilhavam a estrada conosco. Parecia ser uma luta fácil, mas o motorista relutava em parar o carro. E a cada minuto que passava, o nosso risco aumentava. Eram quatro vidas em jogo. Mas, logo, a velocidade do veículo cessou e o capô foi devidamente fechado. Assim, continuamos nossa viagem... (continua)