quinta-feira, junho 15, 2006

No fundo da rede, no fundo do poço, no fundo da questão

Jogo aberto pela direita. Cafu trabalha a bola, limpa o croata, passa para o meio. Kaká quem recebe a bola, finta o adversário, puxa para a perna esquerda e é gol. Que golaço! O Brasil abre o placar contra a Croácia.

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55 minutos depois

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Fim de jogo. O Brasil consegue a vitória na estréia contra a Croácia no mundial da Alemanha. Pode marcar que é festa! Um a zero e jogo feio. Na verdade, se o Brasil perdesse era festa também.

São 180 milhões de corações em ação (pra frente, Brasil) torcendo para matar mais um dia de serviço. Os que não torceram por isso estão desempregados e, portanto, despreocupados com sua (in)atividade, ou são estudantes de um sistema educacional falido, ou até uma dona-de-casa recebendo todos os amigos do marido para uma cervejada, de onde pode surgir o futuro Ricardão.

O que importa mesmo é que de 4 em 4 anos o que acontece no Brasil não é eleição presidencial, não é tentativa de reforma agrária, muito menos tributária. Também não é investimento em saúde, educação, habitação, transporte, enfim, melhores condições de igualdade social. O que rola mesmo de quatro em quatro é a Copa do Mundo Fifa, e o brasileiro de quatro tomando no rabo porque acaba dando importância pra coisa errada.

Cansei de ter amigo que só sabe falar de futebol. Não é como se eu fosse um daqueles críticos chatos que odeia futebol e não consegue ser imparcial quando fala disso.Pelo contrário, encaro fila pra comprar ingresso e chego com duas horas de antecedência no estádio para acompanhar uma partida do meu time do coração.

Mas legal mesmo é aquele amigo com uma consciência crítica, que, caso acreditasse, poderia discutir comigo a influência do futebol no que tange o desinteresse político de cada brasileiro. Não estou falando que brasileiro não tem interesse político. Só estou dizendo que os brasileiros com interesse político estão no poder porque existem desinteressados demais. Eu sei que ficou difícil de entender, mas foi de propósito. Queria dizer que filho da puta rouba porque na hora do “vamuvê” todo mundo olhou pra televisão e viu que o Ronaldinho não jogou merda nenhuma e que o Ronaldo está meio fora de forma.

Mas o Brasil é isso aí. Tem sala de cinema em São Paulo fechando pra abrirem igreja, e é uma daquelas que tira dinheiro de quem já não tem muito. O "benevolente" "dízimo" (Sim, ambos merecem aspas). Igreja é outra foda na vida do brasileiro. Eu bem que queria criar uma consciência nas pessoas, mas advinha... Quem é vítima da reclusão consegue, se muito, assistir o JN e a merda que a Globo tem a dizer. Ou as bundas que a Band quer mostrar, ou os mistérios sobrenaturais da RedeTV, como a "loira do banheiro". Por fim, ninguém leu isso. Não que fosse ajudar muito, diga-se de passagem.

Mas esses programas são fichinha perto da Copa do Mundo. Podem passar todo dia, todos os anos, mas a paixão do brasileiro turva a vista de quatro em quatro anos. Conseguir a estrela para nós é o mesmo que Bush conseguir um poço (sim, tem um poço nessa história) de petróleo dando sopa.
Isso não é mais que uma nação em decadência, "conquistando" um único objetivo, que no final do segundo tempo, quando o juiz apita, não leva a nada.

Eleição? Só depois de 9 de julho! Se o Brasil ganhar fica até meio triste. Quem vai ter dinheiro para comprar uma camisa nova do Brasil atualizada com seis estrelas? E depois falam de pirataria... Não temos nem dinheiro para comprar o que mais representa nosso país.

Para mudar a consciência de um país inteiro demora muito, ainda mais se ninguém está realmente interessado nisso. Até lá, é fim de jogo. O juiz aponta para o centro da crise.

Peço desculpas se você achou que o texto se trataria de uma crônica esportiva. Apesar de um começo tentador, capaz de ser reportagem de capa de uma Gazeta Esportiva ponto Net, caso realmente quisesse falar de futebol teria que ser mais leviano. Estaria apenas seguindo os requisitos capacitadores de pessoas que se contentam em ler o diário de esportes. As letras miúdas estão aí para instigar os leitores mais, digamos, empenhados e assíduos (não necessariamente nesta ordem).

domingo, junho 04, 2006

Medo e Delírio em São Paulo (ou Muito Além do Plano 9) pt.3

Pois bem, após o show fomos bater um rango no McInfâmia, onde também decidimos nosso segundo destino: a Cinemateca Brasileira. Com o grande atrativo de ser perto e gratuito, o local também teria uma atração solene. De acordo com os prognósticos, lá passaria uma sessão chamada "Malditos Filmes Brasileiros", e se meu conhecimento de cinema nacional não falha, isso seria ou muito ruim ou muito bom.

O lugar realmente impressiona. Mesmo com cara de velho, possivelmente era uma antiga fábrica de alguma coisa do século passado, a Cinemateca tinha um quê de tecnocult. Um lounge aconchegante serve como ante-sala a uma das sessões de cinema. No fundo, há um terreno aberto, onde encontrava-se um telão e algumas cadeiras. Lounge, cinema ao ar livre e banheiro bonito. Se isso não é cult, os pós-modernistas podem chiar o quanto quiserem.

Aliás, moderno é tudo o que o primeiro filme maldito não tinha. Entitulado O Último Cão de Guerra, o longa contava a história de um ditador adepto do neo-nazismo que quer criar uma raça perfeita. Para tal, ele rapta todas as jovens do país (cujo nome não é mencionado) que possuem um Q.I. elevado - ou quase isso. Junto com seus capangas facínoras, ele prende as damas em um campo de concentração e as submetem aos mais perversos serviços sexuais. Indignados, parentes das raparigas contratam mercenários para resgatá-las, incluindo Jô (Tony Vieira, que é o diretor do filme), um veterano no Vietnã sedento por vingança.

A estética do filme é completamente marginal, resquício do cinema da década de 70 - só que elevado a enésima potência. O roteiro é confuso, as atuações são péssimas e tudo acaba em putaria. Se você está familiarizado com o termo cinema da Boca do Lixo, talvez a experiência de assistir esse filme não seja tão ruim assim. Na verdade, chega até a ser bom. Certos diálogos são totalmente impagáveis, principalmente por sua espontaneidade, e, com certo esforço, os cenários chegam a ser verossímeis com a história. Esse sim é o legítimo neo-realismo brasileiro.

Só que mesmo o roteiro sendo simples, os caras conseguiram deixá-lo com mais furos do que queijo suíço. Como afinal esse ditador chegou ao poder? Voto popular, golpe de estado articulado pela CIA, revolução armada? Essa película simplesmente não explica - ou talvez explique, só que é tão confuso que eu não percebi. Também tem o cara que fica o tempo todo enjaulado e sendo torturado por um guarda negão. Até que chega uma hora em que o guarda tenta fornicar com o cara, que mata o negão na faca, é descoberto e morre. Tão esdrúxulo que poderia ter ficado de fora.

Isso sem falar que este é um dos longas com mais homícidios da história do cinema nacional. Para se ter uma idéia, de 4 mercenários, apenas 2 sobreviveram. Assim como as moças resgatadas, o qual sobrou somente uma pra contar a (tosca) história. Outro absurdo é o número de granadas no campo de batalha. A quantidade de explosivos arremessados poderiam encher uma mochila de acampamento inteira, sem contar que nenhuma erra o alvo ou deixa de causar danos ao inimigo.

Apesar disso tudo e tirando a música-tema, que é tocada em qualquer ocasião, o filme não é de todo ruim. Se tivesse uma direção mais apurada, um roteiro melhor construído, atuações mais realistas e um orçamento maior, talvez O Último Cão de Guerra conseguisse virar um top da pornochanchada - o que não quer dizer muita coisa. Mas garanto que este é bem melhor que o segundo filme maldito, um pseudo-suspense chamado O Castelo das Taras e que tinha mais porno do que chanchada.

Mas apesar de termos abandonados o barco antes deste segundo filme acabar, havia mais diversão grátis na noite. Seguimos até o Museu do Ipiranga a fim de acompanhar o show de Moraes Moreira. Chegamos lá num piscar, e descobri de forma triste que a região do Ipiranga é a que mais tem valetas assassinas em todo o mundo. Já não fosse ruim o bastante, quando fui estacionar, um meliante tentou nos extorquir. Disse que iria olhar o carro, mas eu não queria que ele fizesse o serviço. Mas se eu fosse explicar isso, é certo que sairia gente do esgoto para me fazer mudar de idéia.

Por isso, dei um migué e fomos falar com as autoridades policiais. Demos uma de X-9 e caguetamos o vacilão. Daí pra frente, a gente ficou tranquilo. Achávamos que os guardas iriam dar um enquadro no elemento suspeito e autuar-o-iam no artigo 171 do código penal. Por isso seguimos até o Monumento.

Havia um forte clima de segurança no local. Um enorme contigente de policiais foram deslocados para o Museu, talvez esperando algum atentado a bomba, plantada em um dos banheiros químicos públicos. Mesmo assim e apesar do frio, a música de festa junina de Moreira conseguiu empolgar muitos espectadores, enquanto outros pareciam repudiar a cultura folk-brasileira.

Como chegamos tarde, o show durou menos de meia hora e, então decidimos encerrar a noite ali. Passamos pelas barraquinhas de quitutes e de pequenices e seguimos até o carro. Dei uma espiadela e vi que o bandido ainda andava solto e teve a desfaçatez de cobrar por seus serviços. Já que a justiça dos homens não funcionou, eu tinha que fazer minha própria justiça. Entrei no carro, engatei a primeira, soltei o freio de mão, liguei o motor e sai voando, deixando o maldito a ver navios. Ah.. nada como as aulas de direção ofensiva que a vida nos ensina.

Medo e Delírio em São Paulo (ou "Eu tô Pensando") pt.2

"Nome: Clarisse
Altura: 1,80m
Esguia, magérrima, olhos de esfinge,
pés pequenininhos,
mas tem uma trolha!!!"

Carrocinha de Cachorro-Quente - Rogério Skylab


De fato, era esse tipo de poesia experimental pós-moderna que procurávamos naquele instante. Não precisávamos beber da mesma pseudo-realidade que esses estranhos bebiam. A realidade nua e crua, batida no liquidificador e tomada numa bota de cetim não era, nem de longe, um fardo para nós. E mesmo que fosse, não sei se me sujeitaria a seguir o estilo torpe desses seres exóticos. Darei um exemplo simples, porém emblemático:

Enquanto pegávamos a fila para entrar no concerto, uma estranha figura me chamou a atenção: uma mistura bizarra de metaleiro com algo que se assemelha a um hindu. De fato, essa eclética mistura deixaria Darwin pasmo. Mas eu achava que ele, assim como todos os estranhos do lugar, eram inofensivos. Achava que ser estranho já seria suficiente para eles. Ledo engano. Suas atitudes em nada lembravam a de um comportamente dito normal e sensato. Ah.. essa minha inocência.

Pois bem, o impacto do metaleiro hindu foi forte, mas eu já tinha perdido-o de vista. Por isso, eu pensava que, graças ao bom Deus, nunca mais veria tal figura novamente. Até que eu entro no local do show e assento-me de modo que minha visão do palco é a de cima pra baixo, tal qual nas tribunas de um teatro renascentista. Tinha uma vista privilegiada da situação, portanto dificilmente algo escaparia de meus olhos.

Assim, eu vejo um burburinho e um tumulto deveras chato lá na parte de baixo, onde os proletariados ficavam. E eis que me deparo novamente com o headbanger hindu, desta vez metido naquele celeuma vergonhoso. De fato, isso mostra que se na teoria eles eram estranhos, na prática eles também eram. Os gritos estridentes de seus amigos e a agitação inoportuna que promoviam, no qual se atiravam uns contra os outros, importunariam qualquer alma com senso de decência. "Seria patético, se não fosse pateta", diria o poeta. Mas por sorte, o show de Skylab® já estava pra começar.

Primeiro, entrou a banda, composta de um baterista, um guitarrista, um baixista e um violeiro. Eles começaram a tocar um som qualquer, até que - do completo submundo - surge Rogério Skylab. Lógico que ele não entraria no palco de forma normal, isso seria subestimar sua inteligência. Por isso, o cantor/performer passou reto, como se o assunto não fosse com ele, e sumiu na escuridão. Até que na sua segunda aparição, ele não resistiu e abocanhou o microfone, lançando gritos guturais e perguntando: "Tem certeza que você não quer anestesia?".

A platéia foi à loucura - e às risadas também, afinal estávamos ali pra isso. Trajando uma jaqueta azul estilo tactel, calça jeans, tênis de corrida e uma camiseta preta, o introspectivo Skylab® entregava-se a cada canção, testando as reações do público e esfacelando-se diante da platéia. Incrível como o cara acabou todo destroçado no final do show. Mas um negócio interessante que eu notei foi que, antes de cada música, ele pegava uma toalhinha e colocava sobre o rosto, como quem está se enxugando. Mas dizem as más linguas que na verdade a tal toalha fora embebida em éter, que tem função anestésica e psicotrópica, e Skylab® cheirou-o até não dar mais. Mas provavelmente isso deve ser lenda.

Como ir a um show de Rogério Skylab é uma experiência única e de dificil descrição (e compreensão), não irei me estender. Mas numa análise fria, eu penso que nesse show faltou alguns hits clássicos, como "Derrame", "Chico Xavier E Roberto Carlos", "O Meu Pau Fica Duro" e "22x2=43". Faço uma crítica também ao público do local, que não temia em cantar junto, bater palmas e pedir para tocar determinada música. Esse tipo de atitude soaria bem num show do Chico Rey e Paraná, mas no show do intransigente Skylab® isso soa ridículo. Continua...