Momentos em um ônibus pt.1 (ou Sons e sendas)
Descrever os sons que podemos ouvir em um percurso é algo imaginativo. Mas digamos que eu faça isso em um trajeto de ônibus, por exemplo, que me leve de onde estou até a faculdade. Consigo calcular este exercício da seguinte forma: Existem sons onipresentes, como o vento. Aonde quer que você vá é possível escutar o vento. Aquele assobio leve, que muda de freqüência de acordo com o trânsito. Posso deduzir, de olhos fechados, que a Avenida Paulista está congestionada pelo simples fato de o vento não atacar as janelas do ônibus. Existem também os sons irrevogáveis. Estes são monótonos. Ouvimos todos os dias. O roncar de um motor velho. O uníssono apito agudo de todas as catracas de ônibus confirmando débitos de R$2,30 de cada pessoa por passar. “Motorista, posso vender ali pro pessoal? Pega um pra você aí. Boa tarde, passageiros, desculpa incomodar sua viagem...” Toques de celular, buzinas, sirenes de ambulância, pessoas correndo para compensar o atraso. Ah, São Paulo. A impressão que se deve ter de São Paulo é, se não outra, a de que está ocorrendo um bombardeio e todos estão correndo pela própria vida, loucos, frenéticos.
Por outro lado, existem os sons infreqüentes. São de uma casualidade marcante. Nos pegam desprevenidos, mas por se desprenderem do cotidiano conseguimos lembrar deles. O som da chuva caindo forte, se chocando contra a carroceria metálica dos carros. A força do trovão. Raras exceções, quando não há trânsito em São Paulo não há muita necessidade de buzinar. A não-buzina é um som para guardar na memória.
Pra dizer a verdade, quando não aparecem esses sons casuais eu fico ouvindo música no fone de ouvido. Outro dia entrou um trovador contemporâneo no ônibus. Começou a tocar Raul Seixas: “Tente me ensinar das tuas coisas. Que a vida é séria, e a guerra é dura. Mas se não puder, cale essa boca, Pedro, e deixa eu viver minha loucura”.
Parei pra ouvir.
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