sexta-feira, outubro 20, 2006

Vôo 714 para a Geórgia

Saímos de Bangu lá pelas 4 da manhã. Fomos direto para o hotel, pois no dia seguinte viajaríamos até Fortaleza, para tocar no Ceará Music. O equipamento seguiu quase que direto para o Galeão com o Wilson, que iria providenciar o embarque. Sempre temos problemas com excesso de peso. Independente da lotação do avião, as taxações para esses volumes são sempre dispendiosas e incontornáveis. Não me parece muito lógico. Se o avião está vazio, não me parece justo pagar o mesmo que um excesso dentro de um avião lotado. Mas, regras são regras.

Não foi o caso nesse dia. Com o vôo lotado por causa do feriado, o despachante da TAM disse que a solução seria dividir o equipamento em dois lotes: o primeiro viajaria com a gente; o segundo, 40 minutos depois. Subitamente uma contra-ordem parecia resolver o assunto. Alguém havia autorizado o embarque da carga completa. Da janela do avião observei a enorme quantidade de equipamentos esperando para ser acomodada, quando os passageiros já estavam sentados. Haveria atraso.

Um vôo direto entre Rio e Fortaleza é estimado em pouco mais de três horas. Depois de servido o lanchinho trivial e inconsistente, ouvimos pelos alto-falantes um pronunciamento do comandante, a autoridade máxima a bordo. "Devido ao excesso de carga embarcada no avião, pertencente ao grupo musical que transportamos, seremos obrigados a fazer uma escala em Salvador para reabastecer." Diante da chiadeira, o infeliz prosseguiu. "Obedecendo a ordens de direção da companhia, tivemos de privilegiar alguns dos passageiros em detrimento dos interesses da maioria."

O incômodo já era indisfarçável. Durante o reabastecimento a indignação era geral. Passageiros inconformados com o transtorno protestavam já sem o freio da inibição. Percebi os olhares recriminatórios e os queixumes que chegavam aos meus ouvidos, sem disfarce. O constrangimento foi imenso. Fui alçado à condição de inimigo: havia roubado o direito dos outros e já era visto como persona non grata. Voamos o segundo trecho num clima entre tenso e hostil. Quando pousamos em Fortaleza, com duas horas de atraso que arruinaram o meu ensaio para o festival, me dirigi ao idiota que comandara aquele vôo desastrado para manifestar minha insatisfação com a sua inabilidade e falta de coragem para assumir a responsabilidade de uma situação na qual ele era a maior autoridade.

Num momento em que a população ainda está impactada e traumatizada por um acidente aéreo que ceifou tantas vidas, como aceitar que um piloto levante vôo sem combustível suficiente para chegar ao destino, e mude seu plano em pleno ar? E o que dizer desse mesmo cidadão que, simplesmente, se exime de suas responsabilidades e prefere jogar a culpa em outrem? Santo Deus, como podemos viajar tranqüilos sabendo que nossas vidas podem estar nas mãos de um profissional tão insensível e despreparado?

Fiz esse relato, pois, lendo as entrevistas de Leão após os seguidos insucessos do Corinthians, vi entre os episódios um paralelo. É fácil jogar a culpa nos outros quando não sabemos explicar os motivos do nosso fracasso. Se o Leão continuar achando que os responsáveis pelas derrotas são apenas aqueles que estão em campo, talvez seja melhor ele pedir ao Berezovski uma vaguinha num time qualquer lá da Geórgia. Certamente a Fiel não será tão condescendente* como a TAM. Gaviões não precisam estar no ar para cair.

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Crônica publicada na seção Boleiros da página de esportes do jornal O Estado de S. Paulo do dia 19/10/2006, escrita por Nando Reis.
Nando Reis é vocalista da banda que leva seu nome, compositor, escritor e tricolor, funções exercidas com maestria tão real quanto o vermelho de seus cabelos. Nando Reis escreve ao Estado todas as quintas, e freqüentemente relata, como nós do Epítetos, algum acontecimento que nos tenha feito mudar ou reanalisar nossas perspectivas.
Gostaria de deixar claro que o Epítetos não tem nada contra o Nando Reis, ou a TAM, ou a Geórgia. Não podemos dizer o mesmo sobre Corinthians e Leão.

*Para auxiliar os torcedores corintianos que lêem o Epítetos, colocarei aqui uma definição de dicionário ipsis litteris da palavra condescendente:
adjetivo de dois gêneros
1 que condescende; indulgente, complacente, transigente
2 que não impõe ordem, disciplina; tolerante, flexível
3 Uso: pejorativo.
que não julga segundo as exigências do dever, da consciência, da honra etc.
4 Uso: pejorativo.
que tenta acentuar uma superioridade sua (real ou não), tratando de maneira paternalista outra pessoa; desdenhoso, arrogante.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Momentos (ou Devíamos Pensar em Silêncio)

Ouvia-se em um bar:

"Alemanha e Portugal ficam na Península Ibérica!"

Momento de Correção:

"Portugal e Espanha ficam na Península Ibérica!"

Momento de Reflexão:

"E a Alemanha? Fica em algum lugar chamativo?

Culminando no xeque-mate:

"A conta, por favor."

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Ouviu-se em um bar

As piores e as melhores idéias.

domingo, outubro 15, 2006

É a Vida (ou Catarse) pt.2

O terceiro ato aconteceu no próprio Outs. Após passarmos pela prodigiosa segurança, entramos no recinto que, à primeira vista, estava às moscas. Novamente nos deparamos com o velho problema de encontrar um lugar para se sentar. Enquanto isso, eu assistia à única coisa que não fora tomada pela penumbra do local: um imenso telão, que passava um documentário sobre os Beatles. Até que, ao primeiro sinal de cadeiras sem dono, avançamos sobre uma mesa vazia como urubus atacando uma peça de carniça.

Já passava da meia-noite e o lugar finalmente começava a encher de gente. Mas não havia nenhum sinal de que o show começaria. Pelo contrário, tudo levava a crer que isso estaria longe de acontecer. Dei uma rápida passada no andar de cima e vi um ambiente totalmente escasso. Para algo que deveria ser uma danceteria, somente avistei pessoas dançando ou com a parede ou com o nada, enquanto eu ziguezagueava-os até encontrar o sanitário.

De repente, já de volta ao térreo, acontece uma movimentação no palco. Mas logo se percebe que não são os caras do Gram. Qualquer pessoa, mesmo que não seja fã dos caras, sabe que não há nenhuma mulher na banda. Além disso, a qualidade artística deles em nada se assemelha com o que ouvia naquele "show" de abertura. Incrível como a misteriosa banda - que depois descobri que se chama Blue Bell - conseguiu destruir alguns clássicos do rock, como London Calling, do The Clash - aliás, uma das poucas músicas que eu consegui identificar diante do barulho confuso das guitarras altamente distorcidas e dos gritos histéricos da vocalista. Poderia até imaginar que eles estariam tocando sob efeito de algum psicotrópico se eu não tivesse confirmado essa informação com uma fonte, que disse ter identificado os integrantes na mesma padoca em que nos localizávamos outrora e onde no qual eles se embebedaram pra valer.

Após o fim da apresentação (que pareceu durar uma eternidade) dos Blue Bell, não tardou para a atração principal subir ao palco. Já eram quase duas horas da matina e o Gram ainda arrumava suas coisas, exceto o baterista, que batia um papo no meio da multidão. Em poucos minutos, enfim, o show começou. Eles abriram tocando uma música do novo Cd que eu não consegui identificar ainda, mas que deixou a platéia animada. Depois, seguiu-se com Toda Luz, que levou os presentes ao delírio. Mais adiante, Sérgio trocou seu violão pelo teclado e começou a tocar Moonshine.

Aliás, é interessante ressaltar a presença de palco do cara. Não bastasse ter que cantar e decorar as letras das músicas, Sérgio ainda se alterna entre o violão, a guitarra e o teclado/sintetizador - e tocando de maneira impecável. E o mesmo vale para o restante da banda - tirando o guitarrista, que acabou errando uma porção de vezes durante a apresentação, inclusive tiveram que repetir a introdução de É a Vida, que saiu extremamente bisonha.

No todo, os caras tocaram praticamente o primeiro álbum inteiro e boa parte do segundo, isso se não foi ele completo. E nenhuma música passava incólume pela platéia, que vibrava a cada canção e participava intensamente do show. Até que no final veio o ápice, o grande momento de catarse, com a música Você pode Ir na Janela. Durante os longos minutos que foram tocados, o público ficou arrepiado e muitos acabaram por liberar suas emoções, caindo em prantos.

E quando todos achavam que o ponto alto já tinha sido alcançado, eis que a banda volta para um bis - por sinal, meticulosamente arquitetado por eles, como acabei descobrindo mais tarde. Nesse retorno, eles tocaram Tem Cor e, para fechar com chave de ouro, Come Together dos Beatles. Como os integrantes já tiveram uma banda cover dos reis do iê-iê-iê, nem é preciso dizer o quão perfeito foi a interpretação, levando o público novamente ao delírio e encerrando a noite em alto nível.

O vocalista Sérgio, esbanjando simpatia, ainda teria fôlego para conversar com o pessoal. Parava para atender a cada fã que aparecia e conversava abertamente com todos. Para nós, inclusive, revelou alguns detalhes de projetos secretos que anda arquitetando pelo mundo afora. Se não me engano, ele prometeu uma nova revolução musical - ao estilo dos anos 60/70 - ou algo do tipo, se não estou errado.

E já passava das três e meia da madrugada, quando finalmente conseguimos ir embora. Após passarmos por uma fila que só não era mais lenta do que fila de xerox, voltamos à marginalidade da carcomida rua Augusta, cujo clima era o de fim de feira - inclusive o cheiro de peixe era o mesmo. Sem um pingo de álcool no cérebro, estava pronto para voltar o mais rapidamente para casa e ir dormir, deixando para trás esse mundo de vilanias e perversidades [final clichê].

Fotos (ou imagem expressionistas) por: Erika Saadi

quinta-feira, outubro 12, 2006

É a Vida (ou Prelúdio) pt.1

Havia algo de jovial na rua Augusta. Naquela quinta-feira, com o cair da madrugada, a excêntrica juventude paulistana saía de casa em busca de diversão barata. Enquanto solitários buscavam uma calorosa companhia para passar a noite (nem que fosse necessário pagar por isso), outros se dirigiam até suas baladinhas hype, onde a vestimenta casual é moralmente proibida.

Quanto a mim, não seguiria nem um caminho nem outro. Meu destino apontava para o Outs, que seria palco para o show do Gram - cujo qual,segundo me contaram, seria a um preço módico. De fato, uma proposta difícil de resistir.

O primeiro ato da noite aconteceu numa padaria que fica no começo da Augusta, onde eu supostamente deveria esperar uns amigos para seguirmos rumo. O ponto alto ficou para uma súbita aparição de um professor meu, com sua indefectível maleta a tiracolo, que seguia o caminho contrário - ou seja, subia a Augusta e provavelmente iria até a avenida Paulista. Cumprimentei-o, ao mesmo tempo em que refletia sobre o que o maldito fazia ali àquela hora da noite e num lugar tão decrépito. Aposto que ele pensava o mesmo.

O segundo ato aconteceu ao lado do Outs, numa padoca conhecida pelos frequentadores. Após me encontrar com a patota, seguimos descendo a rua até chegarmos no galpão negro onde aconteceria o show. No caminho, nos deparamos com cenas que povoariam até os piores pesadelos de Bukowski. Sob a envolvente luz dos néons dos estabelecimentos noturnos, negociantes proxenetas anunciavam sua mercadoria, oferecendo as mais diversas condições de pagamento e parcelamento, enquanto garotas de família instigavam seus possiveis clientes.

Só que o mundo também não eram rosas na padoca que nos confortava. Primeiro porque havia mesas, mas não cadeiras o suficiente para todos nós. Segundo porque não havia copos de vidro, o que nos obrigou a sorver cerveja em intragáveis copos de plástico. Qualquer um que tenha alguma experiência etílica sabe o quão ruim isso soa. E em terceiro lugar, a cerveja que você levava quase nunca correspondia com a que você pedia ao atendente. Em duas tentativas de pegar uma Skol, acabamos ficando com uma Brahma e uma Itaipava, respectivamente.

Mas embora estivéssemos alienados do mundo exterior naquele aconchegante refúgio, ainda estávamos na rua Augusta. Então, enquanto tomávamos cerveja de pé em copos de plastico, duas estranhas "figuras" semi-nuas, que se "trajavam" como mulheres da vida, entraram no estabelecimento e começaram a mexer com os transeuntes. Talvez constranger seja a palavra correta. Aos que tranquilamente se embebedavam no recinto, elas pediam alguns goles de álcool, nem que fosse necessário usar de truques sujos e lascivos para tal. Por sorte, essa pequena, porém eloquente, amostra do submundo encerrou-se em poucos minutos e ambas praticamente sumiram na escuridão... (continua).

quarta-feira, outubro 11, 2006

oCUlista

Post original do blog http://bizzocchi.blogspot.com/

Anderson Bizzocchi é membro da Cia. De Humor Barbixas e um quartoanista de Rádio e Televisão. Também me confirmou que tem estado sob stress, conseqüência do T.C.C.

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Primeiro de tudo é que se você vai ao oculista (ou oftalmologista) pela primeira vez e não quer usar óculos, você faz de tudo pra ler as malditas letrinhas no painel que ela vai mudando. O bom é você ir com alguém, seu irmão, sua mãe, enfim, alguém que faça o teste de visão antes, para você decorar a seqüência de letrinhas.
Por outro lado se você quer usar óculos, por alguma razão, você já de cara finge que está tudo ruim.

- Não, não adianta, eu não estou enchergando muito bem...
- Percebe-se Sr. Adalberto. O senhor está conversando com o bebedouro. Eu estou aqui!

Você entra na salinha. Sempre vai ver um olho de gesso na mesa do(a) doutor(a). Sempre vai te perguntar se você tem tido tonturas ultimamente. Quase chega ao ponto de perguntar "O senhor sabe o porquê está aqui?".

Até que após algumas perguntas, ela pega o seu óculo - caso você já use - e o coloca contra a luz, ou então em um aparelho parecido com um microscópio. "Nossa, como tá sujo". SLAP! Na sua cara! Paga fortuna por um óculos e ainda não cuida! Idiota!

Vamos então até a maca. Enquanto ela ajeita as coisas, você fica olhando a aparelhagem e responde as mesmas perguntas que ele(a) fez na consulta passada, típicas de elevador.

- Estou bem / Vai bem sim / Mando sim / Não, não. Já se formou / Tá casado já / Estou na faculdade / Tá legal/ Pedofilia/ Calor, né?.

Lhe avisa que vai verificar sua retina, e que pra isso vai se utilizar de uma lanterninha. Então ele(a) trás um holofote e coloca no seu olho.
Seu olho está gritando "Socorro"! Você portanto pisca. Mostrando autoridade ela pede "Não Pisca!". Lá fica você, sentado, lacrimejando um rio e cego.
Passamos então ao Óculos Gigante, ou como costuma ser chamado por todos os Andersons Bizzocchis que eu conheço, o Reduto dos Indecisos. Ele (a) coloca e está perfeito a imagem. Pronto! A consulta poderia terminar. Mas há ainda o momento "Vai ficar um pouco embassado, tá?" PRA QUE? Tava ótimo já!


- Qual que é melhor: este ou este?
- Este!
- Tá. E agora? Este ou este?
- Hummmm...
- De novo. Este ou este?
- Ergh... o primeiro.
- Com qual a cor fica melhor? Este ou este?
- Mas, tá igual!
- Este ou este?
- É...este...
- O outro?
- Não, o primeiro.
- O primeiro este ou outro?
- O outro primeiro.
- Este primeiro?
- Não, o outro.
- Este?
- Não! Tava bom do jeito que tava.
- Este?
- Não, era o outro.
- Qual? Este?
- Não, aliás é pior de todos este. Volta para aquele lá.
- Qual aquele? Este o primeiro ou o outro?
- De qual?
- Deste.
- Não, mas tá bom.
- Este ou este então?
- Não percebi a diferença.
- Tem sim. Este ou este?
- Sei lá...qualquer um.
- Não é "sei lá"! Tem que ser um dos dois...
- O segundo.
- Desde o começo?
- Não! A segunda opção!
- Este?
- É!
- Mas não pode ser este.
- Se você sabe tanto qual é porque esta me perguntando?
- Este ou este?
- Você nem mudou...
- Este ou este?
- Você nem está me ouvindo né?
- Este ou este?
- Alô? Hey você!
- Este ou este?
- Vou enfiar isso no teu buraco se você não calar a boca.
- Este ou este?
- Qualquer buraco.