terça-feira, janeiro 24, 2006

O Sonho Americano em Ação

"Estávamos em algum lugar de Bastow, na beira do deserto, quando as drogas começaram a surtir efeito". Assim começa a narrativa do doutor em jornalismo Raoul Duke em mais uma de suas grandes reportagens. A bordo de um Cadillac vermelho conversível alugado, Duke segue caminho até Las Vegas, a pretexto de cobrir o Mint 400 - "a mais rica corrida off-road de motocicletas e buggies na história das corridas organizadas". Ou, pelo menos, é assim que espera seu editor. Junto com seu advogado samoano, o Dr. Gonzo, que se vê "obrigado" a viajar com Duke, ambos resolvem munir-se com drogas, armas e camisas havaianas e ir em busca do "sonho americano". E essa convicção aumenta quando o evento aparenta ser um verdadeiro fiasco e Duke fica atolado em dívidas no hotel, ao passo que seu quarto fora totalmente destruído.

Publicado originalmente em 1971 na revista Rolling Stone por Hunter S. Thompson, "Medo e Delírio em Las Vegas" foi logo convertido em livro e tornou-se um sucesso editorial, mas só ganhou uma versão filmada em 1998. Sob a batuta do afamado Python Terry Gilliam, a película "Medo e Delírio" (Fear and Loathing in Las Vegas) é um dos raros exemplos de adaptações cinematográficas bem feitas. Principalmente porque tudo foi acompanhado de perto pelo próprio Thompson.

Por exemplo, a escolha de Johnny Depp e Benicio del Toro como, respectivamente, Duke e Gonzo foi uma chancela do jornalista, após Depp convencê-lo insistentemente de que seria o único capaz de interpretá-lo (e é verdade que as outras opções oferecidas pelo produtor não eram "das melhores", no qual listavam Jack Nicholson e Marlon Brando, Dan Aykroyd e John Belushi, e John Cusack e John Malkovich). Destacam-se também no elenco Tobey Maguire, Christina Ricci, Cameron Diaz e o baixista Flea (mas confesso que não vi ele no filme).

Só que o show fica mesmo para os dois protagonistas. Suas reações psicóticas são absurdamente reais. E é vasta a quantidade de substâncias ilícitas em seus domínios. "Temos dois pacotes de erva, 75 comprimidos de mescalina, cinco papelotes de ácido, um saleiro meio cheio de cocaína e uma vasta coleção multicolorida de uppers, downers, laughers, screamers...", diz Raoul Duke, conferindo sua inseparável maleta ao mesmo tempo em que tentava espantar os morcegos que lhe atormentavam com um mata-moscas. De fato, a maneira como a dupla interpreta os personagens, totalmente tortos e lesados e com diálogos infinitamente sem sentido, por si só já valem o filme.

Outro destaque fica para o diretor. Com seu estilo pandemônico e caótico - como nos filmes "Brazil", "Os 12 Macacos" e "Os Irmãos Grimm" -, Terry Gilliam torna as viagens psicodélicas uma estranha experiência visual, como transmutar um bar de hotel em um verdadeiro salão de orgias para répteis. Gilliam também consegue transformar luxuosos quartos de hotéis de Las Vegas em verdadeiras praças de guerra nuculear. Além disso, o diretor usa o clássico recurso da "câmera na mão", o que acaba tornando o filme mais ágil, mais babelesco e também mais ao estilo "Gonzo Journalism"*.

É uma pena que o filme não tenha tido muita projeção no Brasil. Acho que o país ainda não está preparado para tal. Inclusive muitas resenhas que li por aí simplesmente ignoraram o fato de que o longa tratava de uma das mais célebres reportagens de um dos mais célebres jornalistas que já apareceram. Sem falar que é praticamente impossível encontrar esse filme para vender, alugar ou emprestar - tanto que tive que infringir algumas regras do copyright imposta pelos estúdios de Hollywood e acabei tendo que baixá-lo pela Internet (mas, dessa vez, o crime compensou).


* Só um adendo aos que não estão entendendo bosta nenhuma. De acordo com Lúcio Ribeiro, colunista da Folha, "Gonzo consiste em ser jornalista e ser escritor ao mesmo tempo em que se é uma pessoa interessante, personagem de si mesmo, que fica se metendo nos lugares e opinando e fazendo parte da história e falando exclusivamente sobre coisas que o interessam. Ou seja, muito mais legal do que esse jornalismo sem graça e distante que temos por aqui. Não se pode usar primeira pessoa em paz que já começam a confundir com egocentrismo. E pode até ser mesmo, mas quem se importa se for legal? O que importa é ser bom. O resto é supérfluo". Sábias palavras.

terça-feira, janeiro 03, 2006

Nós sabemos o que fizemos verão passado pt.2

Deu-se que em questão de três horas e trinta minutos estávamos os quatro na erma rodoviária de Águas de São Pedro, esmeramente contrária à de onde viemos (Tietê). Eu, que não era marinheiro de primeira viagem naquelas terras nada inóspitas, ostentava a idéia de que a estação se dava por vazia pois não havia necessidade de deixar tal paraíso. St. Peter é praticamente uma cidadela do descanso e da distensão e seus cidadãos valentes guerreiros da folia discreta. Mas para os mais insólitos aquilo era só uma rua deserta, provida de uma delegacia à esquerda da rodoviária e um ponto de táxi ao outro lado da via.
Como estávamos cheios de bagagem e nosso destino era periférico ao centro da cidade em uns 300 metros acima e adiante, fomos encontrar o taxista. Antes disso, com o aprazimento de todos, eu e Gordo fomos ao mercado comprar carvão para a churrascada inaugural, provida também de vodka de pura qualidade, muito diferente da que costumávamos beber no "pombal" (o rally point dos embriagados que diziam estudar no Rainha dos Apóstolos), e claro, cerveja à vontade. Fuseri e Master cuidaram das malas e travesseiros pelo tempo de minha ausência.
Abundados de provisões para as 2 refeições diárias que teríamos na data de chegada, abastecemos o Del Rey do motorista Edvaldo com nossas ninharias e pela bagatela de 5 reales saímos do carro já em frente à residência. Em mais trinta minutos tínhamos acabado de arrumar tudo e estávamos prontos para a diversão, que não demorou muito a chegar.
Se uma mente vazia está de estômago vazio as pessoas começam a cagar pela boca. Para evitar isso abrimos a primeira cerveja gelada {ainda quente (mas não lembro que alguém tenha colocado-as de volta na geladeira azul que enfeitava o "salão de festas", a ala da churrasqueira)} e eu me sagrei o tiozão do churrasco pelo tempo que estivemos lá. Novamente uma alusão à sociedade perfeita, onde todos trabalham harmoniosamente em busca do bem próprio e estatal. Incrível, toda viagem entre amigos tem essa semelhança. Mas voltando aos fatos, comemos e bebemos e sinos tocaram (literalmente) para comemorar a liberdade. Primeiro churrasco: OK! O segundo veio na noite do primeiro dia. Estávamos todos bêbados, curando a ressaca na piscina. “Meu Deus - pensei eu - fazer churrasco é muito fácil... A foda é abanar a churrasqueira pro carvão pegar e ainda por cima ter de fazer isso bêbado”.
Segundo churrasco: OK! Hora de se retirar do espaço da piscina e ir para dentro da casa. O interior nos providenciou insetos que sugavam nosso sangue sem pudor. Pareciam verdadeiros vampiros. E por falar em vampiros, os morcegos eram irritantes em alguns momentos. E por continuar falando em vampiros, eu havia me dado conta logo no segundo dia, após o café da manhã, que éramos (e talvez ainda sejamos) tão viciados em álcool quanto Bela Lugosi era viciado em morfina. Sobrevivemos ao segundo dia normalmente. Fuseri atentara contra o ventilador, Fuser abanara demais a churrasqueira e sofreu demais as ondas de calor, Master estava guardado em pensamentos e Gordo continuava sendo o Gordo e logo foi apelidado de Rei do Besta (Em uma história trágica de um besouro que perdera todas as suas patas em prol da idiotice alheia). Percebe-se que estávamos lesados.
Mas sobrevivemos ao quarto dia, o sexto e último churrasco (este provido a frango temperado na cerveja, minha especialidade). O perigo viria mais à noite, quando a TV quis nos matar a risos. Não sei se era efeito do álcool, mas aquela noite João Kléber era engraçado, nordestinos eram engraçados, e nordestinos que iam a programas de forró da programação local eram (não, não eram engraçados... eles eram...) hilários! (Um deles inclusive dizendo que o filme Godzilla devia ter seu nome adaptado para "Eita Calangão Medonho!"). Brilhante! Foi um fim de festa sensacional. Tão sensacional que este texto não tem nexo nem significado, pois venho escrever aqui no mesmo estado em que estava lá, e a grande verdade é que não consigo me lembrar de muita coisa.
Enfim, no último dia almoçamos um spaghetti ao molho vermelho com atum. Chamamos o Edvaldo para nos levar de volta à rodoviária e nos focamos em voltar para São Paulo, pois sem concentração não conseguiríamos. Uma aventura e tanto, mas bem que eu errei no título. Afinal de contas, acho que não sabemos tão bem assim o que fizemos verão passado... Se este texto não serviu para nada, então Feliz verão em 2006, e vá se embebedar.