sábado, novembro 25, 2006

Know-how

Outro dia estava em um ônibus, voltando para casa. Era um daqueles ônibus das frotas novas da capital, cheio de degraus e desconforto. Estava com o habitual mau-humor de quem acorda aos sábados para atender aulas de faculdade. Na verdade, aquele seria o último sábado atendendo os interesses universitários, e logo naquele dia algo de extraordinário teria de acontecer, começando pelo número ameno de pessoas por m².
Já estava acomodado em um assento individual quando, passados três pontos, entram neste ônibus uma senhora e seu neto (Se não era neto é porque a dona tardou a ter filhos). Havia outras crianças no veículo, mas esta era cheia de si. Devia ter uma idéia errada sobre o que seria a vida ou pior, tinha um complexo de egocentrismo exacerbado. - O leitor pode achar que minha azia em relação ao garoto é gratuita e que eu devo odiar crianças. Para ser sincero eu odeio algumas crianças, sim, mas deixe-me contar a história sobre esse infante ingênuo. – Começou quando o menino pediu para que um senhor mudasse de lugar para que ele pudesse sentar ao lado da avó (ou mãe). Conseguiu. Lá foi o senhor para o banco do meio do fundo do ônibus, abrindo espaço aos lugares da esquerda (de quem olha de frente) na simpática janelinha de fundo de ônibus, onde a mulher e o neto (ou filho) descansaram suas ancas.
“Olha, ‘tá garoando” – disse o garoto, interpretando alguns pingos d’água no chão, que não passavam de gotas provenientes da lavagem da calçada, e ignorando os estonteantes 32º que o faziam usar uma regata azul ‘mamãe acho que sou gay’. “Não, meu filho - sem dar certeza de que era realmente filho, e lembrando que avó chama neto de filho às vezes, principalmente quando quer reclamar de alguma coisa. Ex: Que dor nas costas, meu filho; Isso é muito caro, meu filho; No meu tempo, meu filho; etc. – é só o homem que lavou a calçada”.
E logo quando estávamos falando em calçada, surge – para o deleite dos fanáticos por trânsito – bem à frente do ônibus um caminhão-betoneira que carregava o concreto que seria utilizado na construção do que parece ser uma sede administrativa do HCor. “Qual o nome desse caminhão?”, perguntou inofensivo o garoto para o... senhor que havia lhe cedido o lugar. Muito pacientemente o velho responde “Um caminhão-betoneira”. A avó complementa: “Ele carrega concreto”. “E o que é concreto”, pergunta o garoto. “É o que eles usam pra fazer calçada”. “Hmmm – disse o garoto – não gosto de concreto. Vou chamar de cimento”. “Mas concreto é feito com cimento também”, alertou a dona. “Não tem problema. Vou chamar de cimento”.
Na verdade a história só vai até aí. Só quis relatar porque lembrei de um diálogo fantástico do livro “O Guia do Mochileiro das Galáxias” que será transcrito de maneira pífia. É a história sobre uma baleia que ganha vida à 20km da terra e está prestes a cair no chão, não na água. “Nossa. Que sensação boa. O que é isso? Sinto pelo meu corpo todo. Não sei o que é, mas vou chamar de vento. Depois descubro o que o vento faz. Olha só. Eu consigo mexer isso aqui pra lá e pra cá. Vou chamar isso de cauda. E o que é essa coisa grande e marrom que fica crescendo cada vez mais? É muito grande! Vou chamar de chão. Será que vou ser amigo dele?” E a baleia finalmente se espatifa no chão.
Não querendo criar paralelos - mas não tendo outra saída – isso é exatamente o que vai acontecer com o garoto esnobe do ônibus. Mal sabe ele que algumas palavras como “desemprego” ou “tristeza”, quem sabe até “solidão” não mudam de sentido, indiferente do seu cimento. X³ + Y ² + Z = 77, como ele aprenderá, não é 0, indiferente do que ele quer pensar que seja em alguma prova de matemática no futuro. Nem que Kant é um filósofo, enquanto o garoto do ônibus acreditava que fosse um jogador de futebol da Holanda.
Pensando melhor, Kant tem a ver com isso. O conhecimento empírico é justamente a queda da baleia. A experiência derradeira. Passar pela vida, e ela te ensinar que você está errado. Dói.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Chaves e a Geopolítica

Entender o conturbado contexto político na década de 70 não é fácil. Guerras, golpes e revoluções marcaram esses tempos gélidos. Mas o mexicano Roberto Bolaños conseguiu traduzir como ninguém a geopolítica dessa época. Com toques de genialidade, criou personagens perfeitos para encenarem essa alegoria, que pode ser subentendida em qualquer lugar do globo. Portanto, na visão de CHespirito, a geopolítica poderia ser resumida assim:


Dona Clotilde - Europa: Ela é elegante, rica e cozinha como ninguém, mas já está velha e acabada. Vive de seu passado de glórias e conquistas, mas hoje não passa de um motivo de piada para seus vizinhos. Às vezes tenta dar uma de durona, mas os sinais do tempo já estão expostos.

Sr. Barriga - FMI: Cobrador pontual e inexorável, nunca é bem recebido quando aparece. Dona Clotilde e Dona Florinda não tem nenhuma rixa com ele, mas Seu Madruga está sempre querendo fugir de suas cobranças.

Seu Madruga - América Latina: É pobre, está cheio de dívidas e vive fazendo trambiques. Vez ou outra briga com Chaves, mas eles sempre acabam se reaproximando. Chiquinha é outra que nunca desgruda do pai. A ocasional ajuda da Dona Clotilde sempre vem a calhar, mas não ajuda-o a encontrar um lugar no mercado, o que o força a viver na informalidade. Infelizmente, faleceu nos anos 80.

Chaves - Socialismo: Cheio de sonhos, ideais e boas intenções, consegue viver sozinho, isolado, sem o apoio de ninguém. Já foi acusado de ladrão e quando algo de ruim acontece, todos põe a culpa nele. É um grande amigo do Seu Madruga e da Chiquinha, e sempre se envolve em brigas com seu Barriga e com Quico. Por questões financeiras, está sempre com fome.

Chiquinha - Populismo: Filha de Seu Madruga, suas idéias só beneficiam a si mesma. Engana tanto Quico quanto Chaves e, quando necessário, vai encher o saco do seu Barriga. Não se dá bem com a Dona Florinda nem com Dona Clotilde e não teima em usar o recurso da mentira.

Quico - Capitalismo: Sustentado pela Dona Florinda, ele faz questão de esbanjar seus bens valiosos para todos. Sempre bem vestido, não mostra ter compaixão com o próximo, mesmo este estando com fome. Quando a coisa aperta, principalmente com ameaças de Seu Madruga, grita pelo socorro da mãe.

Dona Florinda - EUA: Rica e com grande força física, está sempre abusando de Seu Madruga - quase sempre injustamente. Ela é praticamente intocável, mas quando isso acontece, desconta no pobre Madruga. Está sempre mimando Quico e tem asco pela dita gentalha (Chaves e Chiquinha), além de ter um certo atrito com Dona Clotilde.

Professor Girafales - ONU: Apesar de ser um educador e um conciliador, ainda continua bastante atrelado a Dona Florinda, a quem dificilmente desaprova uma ação repressiva. Às vezes, ele não só acata como ajuda nos atos de violência dela. Além disso, ele praticamente mora na casa da Dona Florinda.

Pops - Canadá: Não fede e nem cheira. É parente de Dona Florinda e prima distante de Quico.