Medo e Delírio em São Paulo (ou O Dia em que os Estranhos Tomaram a Cidade) pt.1
20/05/2006 - Era uma semana atípica em São Paulo. Na segunda-feira, dia 15, um pânico generalizado tomou conta da cidade. As ruas estavam caóticas, o trânsito estava insano e o clima de medo era geral. Ônibus eram queimados, delegacias eram metralhadas e bombas explodiam incessantemente, dizia a imprensa. Parece que nem as instituições de ensino foram poupadas dos ataques. Na internet, uma série de boatos pipocavam: "MACKENZIE FOI METRALHADA", "MÍSSIL ISRAELENSE EXPLODE NA FAAP", "UNINOVE É ATINGIDA POR TIROS DE FESTIM".
É natural que em momentos de pânico situações inusitadas aconteçam. A tradicional hora do rush foi antecipada para as quatro da tarde, numa sincronia que se assemelhava à Operação Descida, na Imigrantes. O comércio fechou as portas mais cedo e muitos cogitaram promover saques para fazer estoque de alimentos. Mas a imagem da Avenida Paulista totalmente vazia, como uma cidade fantasma do velho oeste (com direito a bolas de feno saltitando com o vento), evidenciou o estado calamitoso da cidade.
Só que, no fundo, as coisas continuavam iguais: os criminosos agiam livremente, os policiais matavam inocentes e as autoridades mentiam. Só que tudo isso numa quantidade muito maior e com o "apoio" de uma mídia extremamente inflamada - pra não dizer sensacionalista. Se fossemos levar em conta tudo o que a imprensa dizia, poderíamos esperar que, no instante em que colocássemos o pé fora de casa, tomaríamos rajadas de tiros de fuzil e ainda bateriam nossa carteira.
Porém, em três dias, a situação já tinha quase se normalizado. Por isso, mesmo com algumas divergências, era certo que iria rolar a 2ª Virada Cultural. Mesmo alheio, queria me deleitar com os atrativos deste evento, mesmo que para isso tivesse que entrar numa linha de tiro de uma Magnum 44. Quando uma fonte segura me indicou o show do cantor/performer Rogério Skylab, dei como certa minha incursão ao evento paulistano.
Na tarde de sábado, fui até o local do show, no Centro Cultural São Paulo, acompanhado de um amigo, que estava dividido entre dois eventos sócio-musicais. Baseado em uma fonte pseudo-segura, que assegurava a lotação máxima do local, tratei de chegar umas duas horas antes do show. Coloquei meu carro no estacionamento, que possuia uma inclinação de 75 graus, e segui a pé até o Centro Cultural.
Fomos até a bilheteria e constatei que algo estava muito errado por ali: a fila fora tomada por seres estranhos. Aliás, estranho é apelido. Parecia que éramos as primeiras pessoas do local que não tinham um penteado exótico - isso porque meu cabelo não é nada que se diga "meu deus, que cabelo lindo o Master tem". Além disso, o preto era padrão por essas bandas, como se todos estivessem indo a um baile no inferno. De fato, se Deus quisesse provocar um dilúvio, o primeiro lugar que Ele inundaria seria o Centro Cultural.
Mas Ele não quis, talvez por misericórdia. Pois neste mundo ingrato nada foi mais insuperável que o estranho da espadinha de plástico. Acompanhado por amigos que se vestiam uniformemente (calça jeans, camiseta preta de banda de black metal e mochila nas costas), o intrépido estranho não temia em, ocasionalmente, desembainhar sua espada de plástico e brandí-la, evidenciando o chocalho preso a sua empunhadura. Sua desenvoltura com tal armamento branco era total e nem os olhos vigilantes dos guardas reprimiam sua ação. Ele era praticamente um Musashi dos tempos modernos. Mas, infelizmente, acabei perdendo-o de vista após a distribuição dos ingressos.
Como se isso já não fosse demasiado bizarro, notei que havia uma clara inversão de papéis por ali. Enquanto que, em sociedades corretas e civilizadas, os normais se impõe sobre os estranhos, no Centro Cultural a lei que vigorava era a dos estranhos. Um típico caso de etnocentrismo crônico. Afinal, estávamos jogando em campo adversário, diria Pierre Bourdieu. E isso ficou evidente quando a atendente da bilheteria tratou me com um certo asco e quando o vendedor de bebidas se recusou a nos vender uma lata de cerveja. Por isso que Hunter S. Thompson já dizia: "Quando as coisas ficam estranhas, os estranhos viram profissionais".
É interessante ressaltar o cheiro de cultura que exalava no ambiente. No mínimo espaço livre, as pessoas dedicavam-se a dançar escancaradamente, sem qualquer medo do rídiculo. Inclusive, enquanto pegávamos a fila para entrar no show, uma banda de cordel estradeiro passeava pelos salões do Centro Cultural, agitando os transeuntes e congestionando o local. Continua...
É natural que em momentos de pânico situações inusitadas aconteçam. A tradicional hora do rush foi antecipada para as quatro da tarde, numa sincronia que se assemelhava à Operação Descida, na Imigrantes. O comércio fechou as portas mais cedo e muitos cogitaram promover saques para fazer estoque de alimentos. Mas a imagem da Avenida Paulista totalmente vazia, como uma cidade fantasma do velho oeste (com direito a bolas de feno saltitando com o vento), evidenciou o estado calamitoso da cidade.
Só que, no fundo, as coisas continuavam iguais: os criminosos agiam livremente, os policiais matavam inocentes e as autoridades mentiam. Só que tudo isso numa quantidade muito maior e com o "apoio" de uma mídia extremamente inflamada - pra não dizer sensacionalista. Se fossemos levar em conta tudo o que a imprensa dizia, poderíamos esperar que, no instante em que colocássemos o pé fora de casa, tomaríamos rajadas de tiros de fuzil e ainda bateriam nossa carteira.
Porém, em três dias, a situação já tinha quase se normalizado. Por isso, mesmo com algumas divergências, era certo que iria rolar a 2ª Virada Cultural. Mesmo alheio, queria me deleitar com os atrativos deste evento, mesmo que para isso tivesse que entrar numa linha de tiro de uma Magnum 44. Quando uma fonte segura me indicou o show do cantor/performer Rogério Skylab, dei como certa minha incursão ao evento paulistano.
Na tarde de sábado, fui até o local do show, no Centro Cultural São Paulo, acompanhado de um amigo, que estava dividido entre dois eventos sócio-musicais. Baseado em uma fonte pseudo-segura, que assegurava a lotação máxima do local, tratei de chegar umas duas horas antes do show. Coloquei meu carro no estacionamento, que possuia uma inclinação de 75 graus, e segui a pé até o Centro Cultural.
Fomos até a bilheteria e constatei que algo estava muito errado por ali: a fila fora tomada por seres estranhos. Aliás, estranho é apelido. Parecia que éramos as primeiras pessoas do local que não tinham um penteado exótico - isso porque meu cabelo não é nada que se diga "meu deus, que cabelo lindo o Master tem". Além disso, o preto era padrão por essas bandas, como se todos estivessem indo a um baile no inferno. De fato, se Deus quisesse provocar um dilúvio, o primeiro lugar que Ele inundaria seria o Centro Cultural.
Mas Ele não quis, talvez por misericórdia. Pois neste mundo ingrato nada foi mais insuperável que o estranho da espadinha de plástico. Acompanhado por amigos que se vestiam uniformemente (calça jeans, camiseta preta de banda de black metal e mochila nas costas), o intrépido estranho não temia em, ocasionalmente, desembainhar sua espada de plástico e brandí-la, evidenciando o chocalho preso a sua empunhadura. Sua desenvoltura com tal armamento branco era total e nem os olhos vigilantes dos guardas reprimiam sua ação. Ele era praticamente um Musashi dos tempos modernos. Mas, infelizmente, acabei perdendo-o de vista após a distribuição dos ingressos.
Como se isso já não fosse demasiado bizarro, notei que havia uma clara inversão de papéis por ali. Enquanto que, em sociedades corretas e civilizadas, os normais se impõe sobre os estranhos, no Centro Cultural a lei que vigorava era a dos estranhos. Um típico caso de etnocentrismo crônico. Afinal, estávamos jogando em campo adversário, diria Pierre Bourdieu. E isso ficou evidente quando a atendente da bilheteria tratou me com um certo asco e quando o vendedor de bebidas se recusou a nos vender uma lata de cerveja. Por isso que Hunter S. Thompson já dizia: "Quando as coisas ficam estranhas, os estranhos viram profissionais".
É interessante ressaltar o cheiro de cultura que exalava no ambiente. No mínimo espaço livre, as pessoas dedicavam-se a dançar escancaradamente, sem qualquer medo do rídiculo. Inclusive, enquanto pegávamos a fila para entrar no show, uma banda de cordel estradeiro passeava pelos salões do Centro Cultural, agitando os transeuntes e congestionando o local. Continua...
3 Comments:
Eu estava lá e tomo as palavras do mestre, mas fico consternado em não ter lido nada sobre o metaleiro hindu que, entre outras coisas, fazia papel de ridículo.
Claro que o hindu metaleiro não estará de fora. Na segunda parte, ele terá um destaque especial.
Graças!
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