quinta-feira, maio 18, 2006

A hora é agora (Ou o dia em que São Paulo parou)

Olá, leitores. Espero que estejam hoje visitando o E.E. de suas casas, da forma mais segura possível. Espero que tenham aberto mão da liberdade pela segurança, e espero que leiam esta reportagem escrita por um professor da faculdade de Comunicação Social que freqüento, pois ele deu liberdade para tal. Não vou citar nomes, e hoje esta decisão está indo além dos simples costumes do recinto. Caso haja interesse, enviem e-mail depois, pois quero deixar claro quem realmente merece os créditos do texto, que pode parecer tendencioso, mas prima em mostrar os dois lados da mesma moeda. Sem mais delongas, acompanhem o relato sobre as violentas ondas de ataque à São Paulo:

São Paulo, 15 de maio, fim de tarde.


Eu nunca tinha visto o Pezão tão animado. Otimista por natureza, ele circula pelo centro da cidade com desenvoltura, sempre entre dez da noite e cinco da manhã. Gosta de contar prosa, falar do PCC, que quem mexe com ele vai morrer, que ele vai arrebentar, que com ele não tem moleza. Pezão tem 11 anos.
Pezão não é um Falcão do MV Bill e não se encaixa no modo que a elite gosta de ver os meninos do crime. Ele não é um bandido arrependido que quer virar palhaço de circo. Na verdade, nem bandido é. Seu sonho é ser assaltante de banco, mas ainda não teve a chance... Afinal, Pezão tem 11 anos.
Não sei aonde ele dorme. Uma vez perguntei e ele me tirou: “ih, qualé meu, tá preocupado comigo?”. Foi foda. Errei. Quase perdi sua amizade. Mas me recuperei. Tratei-o de novo como homem: “ih, qualé, quero mais é que tu se foda!”. Aí ele gostou... Voltamos a falar animados dos grandes golpes do PCC, das maravilhosas ligações com o Comando Vermelho, de que ele tem um grande futuro, que vai mais é arrebentar!
Ao contrário dos Falcões, Pezão não é melodramático e não se julga vítima da sociedade. Vítima o caralho! Pezão é algoz! Pezão é o terror! Está no auge de sua vida, num momento cheio de esperanças diante da gloriosa vida criminal que um dia ele terá. Ele não vê a hora. Com a potência dos trágicos, Pezão quer agir!
Pezão está sempre pra cima. Mas nunca o vi tão animado quanto hoje, dia 15 de maio, às cinco da tarde. Em meio ao caos que dominava a cidade, em meio ao pânico generalizado, em meio a pessoas que queriam chegar seguras ao refúgio do lar, Pezão andava seguro pela Praça da República. Naquela tarde ele era superior a todos, andava feliz, peito para cima, ginga de malandro. Pezão era o único homem sem medo nas ruas de São Paulo. E Pezão tem só 11 anos. Ao ver-me perdeu o estilo de homem, voltou a ser moleque e veio saltitante pedir uma grana. “Hoje eu preciso, tenho que correr para a Favela da Maré, procurar meu irmão, que é do partido”. Eu já tinha ouvido falar desse irmão, Pezão só fala dele, não vê o cara há anos, mas ouve falar, diz que ele é quente, que acabou de sair da cadeia, que é profissional. Pezão quer ajudar, está pronto para o que der e vier. E a hora é agora! A partir de hoje playboy não vai mais ter vez. Pezão estava feliz. Muito feliz. Hoje é um grande dia. Eu dei três reais para ele... É pecado não dar docinho para criança.
No resto da cidade a boataria rolava solta. Os playboys se comunicam como podem, invadem a web e gastam fortunas em telefones celulares. Sabiam que a FAAP foi atacada? Lá é alvo prioritário. “ELES querem NOS pegar”. Depois foi o Mackenzie. Explodiu uma bomba lá. Tem um estudante ferido! Um estudante!!!
Nas ruas o medo une as pessoas. Todos conversam, trocam informações e atacam os bandidos. A guerra começou. Pinheiros parou total. Todas as lojas fecharam. Há ônibus queimados por toda a cidade. O governo decretou toque de recolher. Às 20 horas todos devem estar em casa. O exército vai sair às ruas 21 h. Serão 4 mil homens e eles vão caçar os bandidos! Eles vão arrebentar. Aí eu quero ver!!!

Sabe que esse caos até que é bom!!! Isso tinha que acontecer um dia!! Agora os lados se definem. Agora a guerra começa!

O taxista Joaquim fala pouco e fala sério. É um quarentão gordo e forte. Conta com orgulho que fez oito anos de exército. Seus cabelos grisalhos são cortados reco, estilo Tiro de Guerra. É um homem disciplinado. “Eu fui treinado para matar!”. Acha que tem mais é que endurecer, enfrentar os bandidos.
Eu concordava com tudo. Disse que o certo era matar o tal de Marcola, isso poderia acabar com o comando do crime. Ele discordou e me surpreendeu: “será que Joaquim é humanista e contra o extermínio de presos?”. Mas ele esclareceu, falando devagar e com ódio crescente: “Não tem que matar o Marcola. Tem que matar a mãe dele. E picotar o corpo todo, trazer os pedacinhos para ele ver”.
Bem que eu tentei, mas dessa vez não consegui fingir concordância. Fiquei meio surpreso. Ele percebeu e gostou! Sentiu prazer em me chocar, em mostrar que ele é o mais forte. Afinal, Joaquim foi treinado para matar! Ele me explicou que em qualquer guerra sempre terá vítimas inocentes. É uma conseqüência do combate.
Comentei também do exército. Sugeri que o governo deveria armar também civis, dar licença para matar. Joaquim discordou. Não é certo armar a todos, pois o povo não está preparado. O exército deveria armar apenas os que têm treinamento militar. Como ele! “Chegou a MINHA hora!”
Nunca, nos últimos anos, a auto-estima de Joaquim foi tão alta. Eu perguntei se ele, como todos na cidade, iria para casa após a minha corrida. Ele disse, enigmático, que pretendia trabalhar a noite. Afinal, a hora é agora. Chega dessa vida pequena de taxista, chega desse cotidiano de trânsito, chega de Faustão aos domingos, chega de filhos chatos e esposa obesa. Chegou a hora de agir e Joaquim a enfrentava com o prazer tranqüilo de Charles Bronson em Desejo de Matar.
A noite avança e o país está dividido. Enquanto os líderes políticos das duas quadrilhas brasileiras - a quadrilha ilegal do PCC e a quadrilha legal dos Políticos - se reúnem para chegar a um acordo que contenha a guerra civil e mantenha eternamente seus privilégios, as bases de ambos os lados se preparam para matar. Pezão, 11 anos, camisa para fora da calça, anda pelas ruas procurando contribuir em algum atentado, qualquer que seja. Já o quarentão Joaquim deixou a esposa preocupada e a janta esfriando sobre a mesa. Ele circula sozinho em seu táxi, com o braço esticado no volante e um revólver no meio das pernas. Joaquim está ansioso para ter um motivo, qualquer motivo, para atacar. Afinal: ele foi treinado para matar. Ambos, Pezão e Joaquim, estão felizes. A tensão e o ódio que eles acumularam em anos terá finalmente um lugar para escoar. A guerra vai começar! A hora é agora!